domingo, 19 de abril de 2009

os meninos de Jaguaribe (um parêntese anunciado)

Há muitas crianças na praia de Jaguaribe. Algumas tantas passam o dia inteiro pelas ruas sem a presença de um adulto e muitas delas ficam nos arredores do ponto de cultura de Lia. A beleza do espaço deve atraí-las.Muitas vezes me surpreendo com um sorisso, um carinho, uma proposta de brincadeira. São muitas, meninas e meninos filhos da gente da Ilha ou de veranistas.

Neste sábado a oficina foi silenciosamente acompanhada de longe por um menino. Seu nome é Kevin, ele tem 9 anos de idade e desde os 7 joga pião. Eu tenho um pião que comprei a 50 centavos na feira de trocas de Peixinhos e esses dias o levei para oficina. Quando kevin viu o meu pião logo se aproximou para brincar e assim que lhe foi permitido (o pião virou a sensação dos rapazes que trabalham no bar do Ponto de cultura) ele pegou o pião e começou a rodar!

Eu fui lá aprender com ele, já havia me
esquecido como fazê-lo rodar, faz tanto tempo... Meu avô me fazia os piões e me ensinou a ouví-los (os piões cantam, sabia?)e nessa época eu ainda sabia pegá-los nas mãos como Kevin. Neste dia, aprendi com ele o detalhe do palito de pirulito amarrado na ponta da corda do pião, genial!

Bem, nossa brincadeira foi interrompida pelo horário do almoço. A tarde na oficina de Seu Luíz lá estava kevin de novo, observando, desta vez um pouco mais perto. Chamei-o para brincar o cavalo marinho com a gente, mas ele não quis. Reclamou que havia me procurado mais cedo e não tinha me achado. No intervalo entre uma oficina e outra eu fui dar uma volta e ele se perdeu de mim.

O meu amigo do pião só arredou o pé quando eu fui embora. Ia saindo no carro quando o vi sumindo na esquina da rua onde, segundo ele, fica sua casa.

Kevin é um dos tantos meninos de Jaguaribe que estão crescendo sozinhos, sem a atenção que merecem ter. São inteligentes e saudáveis como qualquer outra criança, mas talvez nunca terão a oportunidade de escolher o que de fato querem ser quando crescerem. A vida para muitas dessas crianças impõe-se de tal maneira que os deixa sem escolha.

kevin é muito tímido mas é bastante esperto, sensível e doce. Não quer fazer minha oficina e nem a do seu Luíz. Será que oficina kevin gostaria de fazer?

Foi a primeira vez que o vi por aqui e eu não tive coragem de perguntar para ele o que ele quer ser. Mas também a mim cabia apenas lhe dar a atenção sincera que lhe dei, afinal um menino de 9 anos que roda piões com tanta habilidade é por demais precioso e belo.

Um grande talento tem Kevin na altura de seus 9 anos de idade: rodar piões e sorrir!




quarta-feira, 15 de abril de 2009

O Pião e a Cumieira

No último encontro ensaiamos o início do espetáculo. Dulce e Biu, primeiro uma e depois a outra, cantam.

o pião entrou na roda
o pião. o pião entrou na roda.o pião
roda pião, bambeia pião
roda pião
bambeia
pião


Depois é a vez das meninas (sua filhas e netas). Pergunta, resposta, juntas em coro.

roda pião, bambeia
pião. roda pião
bambeia
pião

a

cu
mi
ei
ra
virou nosso referêncial
penso que de fato tudo pode girar em torno dela
ela que sustenta e ergue aponta para cima ao mesmo tempo que nos faz firmes no chão.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Ajoelhando

Toda noite, quando a roda de ciranda lá vai terminando, Lia de Itamaracá puxa um côco.

Ajoelha, ajoelha!
Ajoelha no colo de Iaiá!

Ajoelha, minha gente, ajoelha!
Ajoelha no colo de Iaiá!

Assim ela vai citando o nome de cada um que estive com ela naquela noite. Músicos, o pessoal que trabalha no bar, seus amigos, parentes e ainda aqueles que se destacaram em algum momento durante a festa e ganharam dela um apelido. Já ouvi vários: pirráia, caboclo, neguinho...

Neste último sábado ouvi pela primeira vez ela cantar meu nome.Jamais esperei ouvir meu nome entre as letras da despedida, foi uma surpresa, tanto que me emocionei.

Ouvir meu nome cantado por Lia é de certa maneira me ver inserida no universo dela. Se engana quem acha que é simples. Lia é extremamente reservada, fala pouco, é quieta. Mas quando se à vontade conta suas estórias, cantarola suas canções, solta suas ironias e sorri.

Essa grande mulher é autêntica. Canta o que gosta e como gosta, não perde tempo em aprender o que não lhe diz respeito e nem aquilo que não lhe toca.

Um dia desses lhe mostrei um samba.Perguntei sobre o compositor e ela não o conhecia. Lhe expliquei quem era o moço e pedi para que ouvisse a canção e ela silenciosamente atenta, ouviu no meu mp3, O mundo é um moinho de Cartola.

No final chamou Dulce e Biu e comentou: "Ouvi, parece um balada, um bolero..."

Dulce e Biu sorriam dividindo o fone.
"É aquele, como é mesmo o nome? Cartola!" dizia Dulce. "Eu conheço! É linda..." suspirava Biu.

Eu perguntei a ela se cantaria essa música no espetáculo que estamos ensaiando.

Ela docemente me respondeu:
"Não...isso aí não entra na minha cabeça, não. É arrastado demais!"

Eu insisti: Lia, essa música com a sua voz ficaria ainda mais bonita!

Ela: Vocês me botam em cada emboscada... Só por causa da minha voz?

Pois então.
Ajoelha Cinthia, ajoelha!
Ajoelha no colo de Iaiá!